segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

PAUSA REFLEXIVA Sobre os 65 anos da libertação de Auschwitz – 27/01/1945



A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação. De tal modo ela precede quaisquer outras que creio não ser possível nem necessário justificá-la. Não consigo entender como até hoje mereceu tão pouca atenção. Justificá-la teria algo de monstruoso em vista de toda monstruosidade ocorrida. Mas a pouca consciência existente em relação a essa exigência e as questões que ela levanta provam que a monstruosidade não calou fundo nas pessoas, sintoma da persistência da possibilidade de que se repita no que depender do estado de consciência e de inconsciência das pessoas. Qualquer debate acerca de metas educacionais carece de significado e importância frente a essa meta: que Auschwitz não se repita. Ela foi a barbárie contra a qual se dirige toda a educação. Fala-se da ameaça de uma regressão à barbárie. Mas não se trata de uma ameaça, pois Auschwitz foi a regressão; a barbárie continuará existindo enquanto persistirem no que têm de fundamental as condições que geram esta regressão. E isto que apavora. Apesar da não-visibilidade actual dos infortúnios, a pressão social continua se impondo. Ela impele as pessoas em direcção ao que é indescritível e que, nos termos da história mundial, culminaria em Auschwitz. Dentre os conhecimentos proporcionados por Freud, efectivamente relacionados inclusive à cultura e à sociologia, um dos mais perspicazes parece-me ser aquele de que a civilização, por seu turno, origina e fortalece progressivamente o que é anticivilizatório. Justamente no que diz respeito a Auschwitz, os seus ensaios O mal-estar na cultura e Psicologia de massas e análise do eu mereceriam a mais ampla divulgação. Se a barbárie encontra-se no próprio principio civilizatório, então pretender se opor a isso tem algo de desesperador.
A reflexão a respeito de como evitar a repetição de Auschwitz é obscurecida pelo fato de precisarmos nos conscientizar desse elemento desesperador, se não quisermos cair presas da retórica idealista. Mesmo assim é preciso tentar, inclusive porque tanto a estrutura básica da sociedade como os seus membros, responsáveis por termos chegado onde estamos, não mudaram nesses vinte e cinco anos. Milhões de pessoas inocentes ---- e só o simples fato de citar números já é humanamente indigno, quanto mais discutir quantidades —foram assassinadas de uma maneira planejada. Isto não pode ser minimizado por nenhuma pessoa viva como sendo um fenómeno superficial, como sendo uma aberração no curso da história, que não importa, em face da tendência dominante do progresso, do esclarecimento, do humanismo supostamente crescente. O simples fato de ter ocorrido já constitui por si só expressão de uma tendência social imperativa. Nesta medida gostaria de remeter a um evento, que de um modo muito sintomático parece pouco conhecido na Alemanha, apesar de constituir a temática de um best-seller como Os quarenta dias de Musa Dagh, de Werfel. Já na Primeira Guerra Mundial os turcos —- o assim chamado movimento turco jovem dirigido por Enver Pascha e Talaat Pascha —— mandaram assassinar mais de um milhão de arménios. Importantes quadros militares e governamentais, embora, ao que tudo indica, soubessem do ocorrido, guardaram sigilo estrito, O genocídio tem suas raízes naquela ressurreição do nacionalismo agressor que vicejou em muitos países a partir do fim do século XIX.

Além disso não podemos evitar ponderações no sentido de que a invenção da bomba atómica, capaz de matar centenas de milhares literalmente de um só golpe, insere-se no mesmo nexo histórico que o genocídio. Tornou-se habitual chamar o aumento súbito da população de explosão populacional: parece que a fatalidade histórica, para fazer frente à explosão populacional, dispõe também de contra-explosões, o morticínio de populações inteiras. Isto só para indicar como as forças às quais é preciso se opor integram o curso da história mundial.
Theodor Adorno – 1903 - 1969Como hoje em dia é extremamente limitada a possibilidade de mudar os pressupostos objectivos, isto é, sociais e políticos que geram tais acontecimentos, as tentativas de se contrapor à repetição de Auschwitz são irnpelidas necessariamente para o lado subjectivo. Com isto refiro-me sobretudo também à psicologia das pessoas que fazem coisas desse tipo. Não acredito que adianta muito apelar a valores eternos, acerca dos quais justamente os responsáveis por tais actos reagiriam com menosprezo; também não acredito que o esclarecimento acerca das qualidades positivas das minorias reprimidas seja de muita valia. É preciso buscar as raízes nos perseguidores e não nas vitimas, assassinadas sob os pretextos mais mesquinhos. Torna-se necessário o que a esse respeito uma vez denominei de inflexão em direcção ao sujeito. É preciso reconhecer os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais actos, é preciso revelar tais mecanismos a eles próprios, procurando impedir que se tornem novamente capazes de tais actos, na medida em que se desperta uma consciência geral acerca desses mecanismos. Os culpados não são os assassinados, nem mesmo naquele sentido caricato e sofista que ainda hoje seria do agrado de alguns. Culpados são unicamente os que, desprovidos de consciência, voltaram Contra aqueles seu ódio e sua fúria agressiva. E necessário contrapor-se a uma tal ausência de consciência, é preciso evitar que as pessoas golpeiem para os lados sem reflectir a respeito de si próprias. A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma auto-reflexão crítica. Contudo, na medida em que, conforme os ensinamentos da psicologia profunda, todo carácter, inclusive daqueles que mais tarde praticam crimes, forma-se na primeira infância, a educação que tem por oblativo evitar a repetição precisa se concentrar na primeira infância. Já mencionei a tese de Freud acerca do mal-estar na cultura. Ela é ainda mais abrangente do que ele mesmo supunha: sobretudo porque, entrementes, a pressão civilizatória observada por ele multiplicou-se em uma escala insuportável. Por essa via as tendências à explosão a que ele atentara atingiriam uma violência que ele dificilmente poderia imaginar. porém o mal-estar na cultura tem seu lado social ---- o que Freud sabia, embora não o tenha investigado concretamente. É possível falar da claustrofobia das pessoas no mundo administrado, um sentimento de encontrar-se enclausurado numa situação cada vez mais socializada, como uma rede densamente interconectada. Quanto mais densa é a rede, mais se procura escapar, ao mesmo tempo em que precisamente a sua densidade impede a saída. Isto aumenta a raiva contra a civilização. Esta torna-se alvo de uma rebelião violenta e irracional.
Um esquema sempre confirmado na história das perseguições é o de que a violência contra os fracos se dirige principalmente contra os que são considerados socialmente fracos e ao mesmo tempo ---- seja isto verdade ou não —- felizes. De uma perspectiva sociológica eu ousaria acrescentar que nossa sociedade, ao mesmo tempo em que se integra cada vez mais, gera tendências de desagregação. Essas tendências encontram-se bastante desenvolvidas logo abaixo da superfície da vida civilizada e ordenada. A pressão do geral dominante sobre tudo que é particular, os homens individualmente e as instituições singulares, tem uma tendência a destroçar o particular e individual juntamente com seu potencial de resistência. Junto com sua identidade e seu potencial de resistência, as pessoas também perdem suas qualidades, graças a qual têm a capacidade de se contrapor ao que em qualquer tempo novamente seduz ao crime. Talvez elas mal tenham condições de resistir quando lhes é ordenado pelas forças estabelecidas que repitam tudo de novo, desde que apenas seja em nome de quaisquer ideais de pouca ou nenhuma credibilidade.
Quando falo de educação após Auschwitz, refiro-me a duas questões: primeiro, à educação infantil, sobretudo na primeira infância; e, além disto, ao esclarecimento geral, que produz um clima intelectual, cultural e social que não permite tal repetição; portanto, um clima em que os motivos que conduziram ao horror tornem-se de algum modo conscientes. Evidentemente não tenho a pretensão de sequer esboçar o projecto de uma educação nesses termos. Contudo, quero ao menos indicar alguns pontos nevrálgicos. Com frequência por exemplo, nos Estados Unidos —- o espírito germânico de confiança na autoridade foi responsabilizado pelo nazismo e também por Auschwitz. Considero esta afirmação excessivamente superficial, embora na Alemanha, como em muitos outros países europeus, comportamentos autoritários e autoridades cegas perdurem com mais tenacidade sob os pressupostos da democracia formal do que se queira reconhecer. Antes é de se supor que o fascismo e o horror que produziu se relacionam com o fato de que as antigas e consolidadas autoridades do império haviam ruído e se esfacelado, mas as pessoas ainda não se encontravam psicologicamente preparadas para a autodeterminação. Elas não se revelaram à altura da liberdade com que foram presenteadas de repente. É por isso que as estruturas de autoridade assumiram aquela dimensão destrutiva e ---- por assim dizer — de desvario que antes, ou não possuíam, ou seguramente não revelavam. Quando lembramos que visitantes de quaisquer potentados. já politicamente desprovidos de qualquer função real, levam populações inteiras a explosões de êxtase, então se justifica a suspeita de que o potencial autoritário permanece muito mais forte do que o imaginado. Porém quero enfatizar com a maior intensidade que o retorno ou não retorno do fascismo constitui em seu aspecto mais decisivo uma questão social e não uma questão psicológica. Refiro-me tanto ao lado psicológico somente porque os demais momentos, mais essenciais, em grande medida escapam à acção da educação, quando não se subtraem inteiramente à interferência dos indivíduos.

Frequentemente pessoas bem-intencionadas e que se opõem a que tudo aconteça de novo citam o conceito de vínculos de compromisso. A ausência de compromissos das pessoas seria responsável pelo que aconteceu. Isto efectivamente tem a ver com a perda da autoridade, uma das condições do pavor sadomasoquista. É plausível para o entendimento humano sadio evocar compromissos que detenham o que é sádico, destrutivo, desagregador, mediante um enfático "não deves". Ainda assim considero ser uma ilusão imaginar alguma utilidade no apelo a vínculos de compromisso ou até mesmo na exigência de que se restabeleçam vinculações de compromisso para que o mundo e as pessoas sejam melhores. A falsidade de compromissos que se exige somente para que provoquem alguma coisa —- mesmo que esta seja boa ----, sem que eles sejam experimentados por si mesmos como sendo substanciais para as pessoas, percebe-se muito prontamente. E espantosa a rapidez com que até mesmo as pessoas mais ingênuas e tolas reagem quando se trata de descobrir as fraquezas dos superiores. Facilmente os chamados compromissos convertem-se em passaporte moral --— são assumidos com o objectivo de identificar-se como cidadão confiável — ou então produzem rancores raivosos psicologicamente contrários à sua destinação original. Eles significam uma heteronomia, um tornar-se dependente de mandamentos, de normas que não são assumidas pela razão própria do indivíduo, O que a psicologia denomina superego, a consciência moral, é substituído no contexto dos compromissos por autoridades exteriores, sem compromisso, intercambiáveis, como foi possível observar com muita nitidez também na Alemanha depois da queda do Terceiro Reich. Porém justamente a disponibilidade em ficar do lado do poder, tomando exteriormente como norma curvar-se ao que é mais forte, constitui aquela índole dos algozes que nunca mais deve ressurgir. Por isto a recomendação dos compromissos é tão fatal. As pessoas que os assumem mais ou menos livremente são colocadas numa espécie de permanente estado de excepção de comando. O único poder efectivo contra o princípio de Auschwitz seria autonomia, para usar a expressão kantiana; o poder para a reflexão, a autodeterminação, a não-participação.
Certa feita uma experiência me assustou muito: numa viagem ao lago de Constância, eu lia num jornal de Baden em que se informava acerca da peça Mortos sem sepuItura, de Sartre, que representa as situações mais terríveis. A peça incomodava visivelmente o critico. Mas ele não explicou este incómodo mediante o horror da coisa que constitui o horror de nosso mundo, mas torceu a questão como se, frente a uma posição como a de Sartre, que se ocupara do problema, nós tivéssemos, por assim dizer, um sentido para algo mais nobre: que não poderíamos reconhecer a ausência de sentido do horror. Resumindo: o critico procurava se subtrair ao confronto com o horror graças a um sofisticado palavreado existencial. O perigo de que tudo aconteça de novo está em que não se admite o contacto com a questão. rejeitando até mesmo quem apenas a menciona, como se, ao fazê-lo sem rodeios, este se tomasse o responsável, e não os verdadeiros culpados.
Em relação ao problema de autoridade e barbárie considero importante um aspecto que geralmente passa quase despercebido. Ele é mencionado numa observação do livro O Estado da SS, de Eugen Kogon, que contém abordagens importantes deste todo complexo e que não recebeu a atenção merecida por parte da ciência e da pedagogia. Kogon afirma que os algozes do campo de concentração em que ele mesmo passou anos eram em sua maioria jovens filhos de camponeses. A diferença cultural ainda persistente entre a cidade e o campo constitui uma das condições do horror, embora certamente não seja nem a única nem a mais importante. Repudio qualquer sentimento de superioridade em relação à população rural. Sei que ninguém tem culpa por nascer na cidade ou se formar no campo. Mas registro apenas que provavelmente no campo o insucesso da desbarbarização foi ainda maior. Mesmo a televisão e os outros meios de comunicação de massa, ao que tudo indica, não provocaram muitas mudanças na situação de desfasagem cultural. Parece-me mais correcto afirmar isto e procurar uma mudança do que elogiar de uma maneira nostálgica quaisquer qualidades especiais da vida rural ameaçadas de desaparecer. Penso até que a desbarbarização do campo constitui um dos objectivos educacionais mais importantes. Evidentemente ela pressupõe um estudo da consciência e do inconsciente da respectiva população. Sobretudo é preciso atentar ao impacto dos modernos meios de comunicação de massa sobre um estado de consciência que ainda não atingiu o nível do liberalismo cultural burguês do século XIX.
Para mudar essa situação, o sistema normal de escolarização, frequentemente bastante problemático no campo, seria insuficiente. Penso numa série de possibilidades. Uma seria — e estou improvisando — o planeamento de transmissões de televisão atendendo pontos nevrálgicos daquele peculiar estado de consciência. Além disto, imagino a formação de grupos e colunas educacionais móveis de voluntários que se dirijam ao campo e procurem preencher as lacunas mais graves por meio de discussões, de cursos e de ensino suplementar. Naturalmente sei que dificilmente essas pessoas serão muito bem-vistas. Mas com o passar do tempo se estabelecerá um pequeno círculo que se imporá e que talvez tenha condições de se irradiar.
Entretanto não deve haver nenhum mal-entendido quanto à inclinação arcaica pela violência existente também nas cidades, principalmente nos grandes centros. Tendências de regressão — ou seja, pessoas com traços sádicos reprimidos — são produzidas por toda parte pela tendência social geral. Nessa medida quero lembrar a relação perturbada e patogénica com o corpo que Horkheimer e eu descrevemos na Dialética do esclarecimento. Em cada situação em que a consciência é mutilada, isto se reflecte sobre o corpo e a esfera corporal de uma forma não-livre e que é propicia à violência. Basta prestar atenção em um certo tipo de pessoa inculta como até mesmo a sua linguagem —-- principalmente quando algo é criticado ou exigido — se torna ameaçadora, como se os gestos da fala fossem de uma violência corporal quase incontrolada. Aqui seria preciso estudai também a função do desporto. que ainda não foi devidamente reconhecida por uma psicologia social crítica. O desporto é ambíguo: por um lado, ele pode ter um efeito contrário à barbárie e ao sadismo, por intermédio do fairplay, do cavalheirismo e do respeito pelo mais fraco. Por outro, em algumas de suas modalidades e procedimentos, ele pode promover a agressão a brutalidade C o sadismo, principalmente no caso de espectadores. que pessoalmente não estão submetidos ao esforço e à. disciplina do desporto; são aqueles que costumam gritar nos campos desportivos. É preciso analisar de uma maneira sistemática essa ambiguidade. Os resultados teriam que ser aplicados à vida desportiva na medida da influência da educação sobre a mesma.
Tudo isso se relaciona de um modo ou outro à velha estrutura vinculada à autoridade, a modos de agir ---- eu quase diria — do velho e bom carácter autoritário. Mas aquilo que gera Auschwitz, os tipos característicos ao mundo de Auschwitz, constitui presumivelmente algo de novo. Por um lado, eles representam a identificação cega com o colectivo. Por outro, são talhados para manipular massas, colectivos, tais como os Himmler, Höss, Eichmann. Considero que o mais importante para enfrentar o perigo de que tudo se repita é contrapor-se ao poder cego de todos os colectivos, fortalecendo a resistência frente aos mesmos por meio do esclarecimento do problema da colectivização. Isto não é tão abstracto quanto passa parecer ao entusiasmo participativo, especialmente das pessoas jovens, de consciência progressista. O ponto de partida poderia estar no sofrimento que os colectivos infligem e se filiam a eles. Basta pensar nas primeiras experiências de cada um na escola. ~ preciso se opor àquele tipo de folk-ways, hábitos populares, ritos de iniciação de qualquer espécie, que infligem dor física —muitas vezes insuportável -— a uma pessoa como preço do direito de ela se sentir um filiado, um membro do colectivo. A brutalidade de hábitos tais como os trotes de qualquer ordem, ou quaisquer outros costumes arraigados desse tipo, é precursora imediata da violência nazista. Não foi por acaso que os nazistas enalteceram e cultivaram tais barbaridades com o nome de "costumes". Eis aqui um campo muito actual para a ciência. Ela poderia inverter decididamente essa tendência da etnologia encampada com entusiasmo pelos nazistas, para refrear esta sobrevida simultaneamente brutal e fantasmagórica desses divertimentos populares.
Tudo isso tem a ver com um pretenso ideal que desempenha um papel relevante na educação tradicional em geral: a severidade. Esta pode até mesmo remeter a uma afirmativa de Nietzsche, por mais humilhante que seja e embora ele na verdade pensasse em outra coisa. Lembro que durante o processo sobre Auschwitz, em um de seus acessos, o terrível Boger culminou num elogio à educação baseada na força e voltada à disciplina. Ela seria necessária para constituir o tipo de homem que lhe parecia adequado. Essa ideia educacional da severidade, em que irreflectidamente muitos podem até acreditar, é totalmente equivocada. A ideia de que a virilidade consiste num grau máximo da capacidade de suportar dor de há muito se converteu em fachada de um masoquismo que — como mostrou a psicologia — se identifica com muita facilidade ao sadismo. O elogiado objectivo de "ser duro" de uma tal educação significa indiferença contra a dor em geral. No que, inclusive, nem se diferencia tanto a dor do outro e a dor de si próprio. Quem é severo consigo mesmo adquire o direito de ser severo também com os outros, vingando-se da dor cujas manifestações precisou ocultar e reprimir. Tanto é necessário tornar consciente esse mecanismo quanto se impõe a promoção de uma educação que não premia a dor e a capacidade de suportá-la, como acontecia antigamente. Dito de outro modo: a educação precisa levar a sério o que já de há muito é do conhecimento da filosofia: que o medo não deve ser reprimido. Quando o medo não é reprimido, quando nos permitimos ter realmente tanto medo quanto esta realidade exige, então justamente por essa via desaparecerá provavelmente grande parte dos efeitos deletérios do medo inconsciente e reprimido.
Pessoas que se enquadram cegamente em colectivos convertem a si próprios em algo como um material, dissolvendo-se como seres auto-determinados. Isto combina com a disposição de tratar outros como sendo uma massa amorfa. Para os que se comportam dessa maneira utilizei o termo "caráter manipulador" em Authoritarian personality (A personalidade autoritária), e isto quando ainda não se conhecia o diário de Höss ou as anotações de Eichmann. Minhas descrições do carácter manipulador datam dos últimos anos da Segunda Guerra Mundial. Às vezes a psicologia social e a sociologia conseguem construir conceitos confirmados empiricamente só muito tempo depois. O carácter manipulador — e qualquer um pode acompanhar isto a partir das fontes disponíveis acerca desses lideres nazistas —- se distingue pela fúria organizativa, pela incapacidade total de levar a cabo experiências humanas directas, por um certo tipo de ausência de emoções, por um realismo exagerado. A qualquer custo ele procura praticar uma pretensa, embora delirante, realpolitik. Nem por um segundo sequer ele imagina o mundo diferente do que ele é, possesso pela vontade de doing things, de fazer coisas, indiferente ao conteúdo de tais acções. Ele faz do ser actuante, da actividade, da chamada efficiency enquanto tal, um culto, cujo eco ressoa na propaganda do homem activo. Este tipo encontra-se, entrementes — a crer em minhas observações e generalizando algumas pesquisas sociológicas ----, muito mais disseminado do que se poderia imaginar. O que outrora era exemplificado apenas por alguns monstros nazistas pode ser constatado hoje a partir de casos numerosos, como delinquentes juvenis, lideres de quadrilhas e tipos semelhantes, diariamente presentes no noticiário. Se fosse obrigado a resumir em uma fórmula esse tipo de carácter manipulador — o que talvez seja equivocado embora útil à compreensão — eu o denominaria de o tipo da consciência coisificada. No começo as pessoas desse tipo se tornam por assim dizer iguais a coisas. Em seguida, na medida em que o conseguem, tornam os outros iguais a coisas. Isto é muito bem traduzido pela expressão aprontar, que goza de igual popularidade entre os valentões juvenis e entre os nazistas. Esta expressão aprontar define as pessoas como sendo coisas aprontadas em seu duplo sentido. Conforme Max Horkheimer, a tortura é a adaptação controlada e devidamente acelerada das pessoas aos colectivos. Algo disso encontra-se no espírito da época, por menos procedente que seja falar em espírito nesses termos. Enfim, resumirei citando Paul Valéry, que antes da última Guerra Mundial disse que a desumanidade teria um grande futuro. É particularmente difícil confrontar esta questão porque aquelas pessoas manipuladoras, no fundo incapazes de fazer experiências, por isto mesmo revelam traços de incomunicabilidade, no que se identificam com certos doentes mentais ou personalidades psicóticas.

Nas tentativas de actuar contrariamente à repetição de Auschwitz pareceu-me fundamental produzir inicialmente uma certa clareza acerca do modo de constituição do carácter manipulador, para em seguida poder impedir da melhor maneira possível a sua formação, pela transformação das condições para tanto. Quero fazer uma proposta concreta: utilizar todos os métodos científicos disponíveis, em especial psicanálise durante muitos anos, para estudar os culpados por Auschwitz, visando se possível descobrir como uma pessoa se torna assim. O que aqueles ainda podem fazer de bom é contribuir, em contradição com a própria estrutura de sua personalidade, no sentido de que as coisas não se repitam. E essa contribuição só ocorreria na medida em que colaborassem na investigação de sua génese. Obviamente seria difícil levá-los a falar; em nenhuma hipótese poder-se-ia aplicar qualquer procedimento semelhante a seus próprios métodos para aprender como eles se tornaram do jeito que são. De qualquer modo, entrementes eles se sentem — justamente em seu colectivo, com a sensação de que todos são velhos nazistas —-- tão protegidos, que praticamente nenhum demonstrou nem ao menos remorsos. Porém presumivelmente também neles, ou em alguns deles, existem pontos de apoio psicológicos mediante os quais seria possível mudar isto, como, por exemplo, seu narcisismo, ou, dito simplesmente, seu orgulho. Eles se sentirão importantes ao poder falar livremente a seu respeito, tal como Eichmann, cujas falas aparentemente preenchem fileiras inteiras de volumes. Finalmente, é de supor que também nessas pessoas, aprofundando-se suficientemente a busca, existam restos da velha instância da consciência moral que se encontra actualmente em grande parte em processo de dissolução. Na medida em que se conhecem as condições internas e externas que os tornaram assim — pressupondo por hipótese que esse conhecimento é possível —, seria possível tirar conclusões práticas que impeçam a repetição de Auschwitz. A utilidade ou não de semelhante tentativa só se mostrará após sua concretização; não pretendo sobrestimá-la. É preciso lembrar que as pessoas não podem ser explicadas automaticamente a partir de condições como estas. Em condições iguais alguns se tornaram assim, e Outros de um jeito bem diferente. Mesmo assim valeria a pena. O mero questionamento de como se ficou assim já encerraria um potencial esclarecedor. Pois um dos momentos do estado de consciência e de inconsciência daninhos está em que seu ser-assim —que se é de um determinado modo e não de outro ---- é apreendido equivocadamente como natureza, como um dado imutável e não como resultado de uma formação. Mencionei o conceito de consciência coisificada. Esta é sobretudo uma consciência que se defende em relação a qualquer vir-a-ser, frente a qualquer apreensão do próprio condicionamento, impondo como sendo absoluto o que existe de um determinado modo. Acredito que o rompimento desse mecanismo impositivo seria recompensador.
No que diz respeito à consciência coisificada, além disto é preciso examinar também a relação com a técnica, sem restringir-se a pequenos grupos. Esta relação é tão ambígua quanto a do desporto, com que aliás tem afinidade. Por um lado, é certo que todas as épocas produzem as personalidades — tipos de distribuição da energia psíquica — de que necessitam socialmente. Um mundo em que a técnica ocupa uma posição tão decisiva como acontece actualmente, gera pessoas tecnológicas, afinadas com a técnica. Isto tem a sua racionalidade boa: em seu plano mais restrito elas serão menos influenciáveis, com as correspondentes consequências no plano geral. Por outro lado, na relação actual com a técnica existe algo de exagerado, irracional, patogénico. Isto se vincula ao "véu tecnológico". Os homens inclinam-se a considerar a técnica como sendo algo em si mesma, um fim em si mesmo, uma força própria, esquecendo que ela é a extensão do braço dos homens. Os meios —— e a técnica é um conceito de meios dirigidos à autoconservação da espécie humana — são fetichizados, porque os fins — uma vida humana digna — encontram-se encobertos e desconectados da consciência das pessoas. Afirmações gerais como estas são até convincentes. Porém uma tal hipótese ainda é excessivamente abstracta. Não se sabe com certeza como se verifica a fetichização da técnica na psicologia individual dos indivíduos, onde está o ponto de transição entre uma relação racional com ela e aquela supervalorização, que leva, em última análise, quem projecta um sistema ferroviário para conduzir as vitimas a Auschwitz com maior rapidez e fluência, a esquecer o que acontece com estas vítimas em Auschwitz. No caso do tipo com tendências à fetichização da técnica, trata-se simplesmente de pessoas incapazes de amar. Isto não deve ser entendido num sentido sentimental ou moralizante, mas denotando a carente relação libidinal com Outras pessoas. Elas são inteiramente frias e precisam negar também em seu íntimo a possibilidade do amor, recusando de antemão nas outras pessoas o seu amor antes que o mesmo se instale. A capacidade de amar, que de alguma maneira sobrevive, eles precisam aplicá-la aos meios. As personalidades preconceituosas e vinculadas à autoridade com que nos ocupamos em Authoritarian Personality, em Berkeley, forneceram muitas evidências neste sentido. Um sujeito experimental ---- e a própria expressão já é do repertório da consciência coisificada -— afirmava de si mesmo: "I like nice equipament" (Eu gosto de equipamentos, de instrumentos bonitos), independentemente dos equipamentos em questão. Seu amor era absorvido por coisas, máquinas enquanto tais. O perturbador — porque torna tão desesperante actuar contrariamente a isso — é que esta tendência de desenvolvimento encontra-se vinculada ao conjunto da civilização. Combatê-lo significa o mesmo que ser contra o espírito do mundo; e desta maneira apenas repito algo que apresentei no começo como sendo o aspecto mais obscuro de uma educação contra Auschwitz.
Afirmei que aquelas pessoas eram frias de um modo peculiar. Aqui vêm a propósito algumas palavras acerca da frieza. Se ela não fosse um traço básico da antropologia, e, portanto, da constituição humana como ela realmente é em nossa sociedade; se as pessoas não fossem profundamente indiferentes em relação ao que acontece com todas as outras, executando o punhado com que mantêm vínculos estreitos e possivelmente por intermédio de alguns interesses concretos, então Auschwitz não teria sido possível, as pessoas não o teriam aceito. Em sua configuração actual — e provavelmente há milénios —- a sociedade não repousa em atracção, em simpatia, como se supôs ideologicamente desde Aristóteles, mas na persecução dos próprios interesses frente aos interesses dos demais. Isto se sedimentou do modo mais profundo no carácter das pessoas. O que contradiz, o impulso grupal da chamada lonely crowd, da massa solitária, na verdade constitui uma reacção, um entrosar-se de pessoas frias que não suportam a própria frieza mas nada podem fazer para alterá-la. Hoje em dia qualquer pessoa, sem excepção, se sente mal-amada, porque cada um é deficiente na capacidade de amar. A incapacidade para a identificação foi sem dúvida a condição psicológica mais importante para tornar possível algo como Auschwitz em meio a pessoas mais ou menos civilizadas e inofensivas. O que se chama de "participação oportunista" era antes de mais nada interesse prático: perceber antes de tudo a sua própria vantagem e não dar com a língua nos dentes para não se prejudicar. Esta é uma lei geral do existente. O silêncio sob o terror era apenas a consequência disto. A frieza da mónada social, do concorrente isolado, constituía, enquanto indiferença frente ao destino do outro, o pressuposto para que apenas alguns raros se mobilizassem. Os algozes sabem disto; e repetidamente precisam se assegurar disto.
Não me entendam mal. Não quero pregar o amor. Penso que sua pregação é vã: ninguém teria inclusive o direito de pregá-lo, porque a deficiência de amor, repito, é uma deficiência de todas as pessoas, sem excepção, nos termos em que existem hoje. Pregar o amor pressupõe naqueles a quem nos dirigimos uma outra estrutura do carácter, diferente da que pretendemos transformar. Pois as pessoas que devemos amar são elas próprias incapazes de amar e por isto nem são tão amáveis assim. Um dos grandes impulsos do cristianismo, a não ser confundido com o dogma, foi apagar a frieza que tudo penetra. Mas esta tentativa fracassou; possivelmente porque não mexeu com a ordem social que produz e reproduz a frieza. Provavelmente até hoje nunca existiu aquele calor humano que todos almejamos, a não ser durante períodos breves e em grupos bastante restritos, e talvez entre alguns selvagens pacíficos. Os utópicos frequentemente ridicularizados perceberam isto. Charles Fourier, por exemplo, definiu a atracção como algo ainda por ser constituído por uma ordem social digna de um ponto de vista humano. Também reconheceu que esta situação só seria possível quando os instintos não fossem mais reprimidos, mas satisfeitos e liberados. Se existe algo que pode ajudar contra a frieza como condição da desgraça, então trata-se do conhecimento dos próprios pressupostos desta, bem como da tentativa de trabalhar previamente no plano individual contra esses pressupostos. Agrada pensar que a chance é tanto maior quanto menos se erra na infância, quanto melhor são tratadas as crianças. Mas mesmo aqui pode haver ilusões. Crianças que não suspeitam nada da crueldade e da dureza da vida acabam por ser particularmente expostas à barbárie depois que deixam de ser protegidas. Mas, sobretudo, não é possível mobilizar para o calor humano pais que são, eles próprios, produtos desta sociedade, cujas marcas ostentam. O apelo a dar mais calor humano às crianças é artificial e por isto acaba negando o próprio calor. Além disto o amor não pode ser exigido em relações profissionalmente intermediadas, como entre professor e aluno, médico e paciente, advogado e cliente. Ele é algo directo e contraditório com relações que em sua essência são intermediadas. O incentivo ao amor ----- provavelmente na forma mais imperativa, de um dever — constitui ele próprio parte de uma ideologia que perpetua a frieza. Ele combina com o que é impositivo, opressor, que actua contrariamente à capacidade de amar. Por isto o primeiro passo seria ajudar a frieza a adquirir consciência de si própria, das razões pelas quais foi gerada.

Para terminar gostaria ainda de discorrer brevemente a respeito de algumas possibilidades de conscientização dos mecanismos subjectivos em geral, sem os quais Auschwitz dificilmente aconteceria. O conhecimento desses mecanismos é uma necessidade; da mesma forma também o é o conhecimento da defesa estereotipada, que bloqueia uma tal consciência. Quem ainda insiste em afirmar que o acontecido nem foi tão grave assim já está defendendo o que ocorreu, e sem dúvida seria capaz de assistir ou colaborar se tudo acontecesse de novo. Mesmo que o esclarecimento racional não dissolva directamente os mecanismos inconscientes — conforme ensina o conhecimento preciso da psicologia —, ele ao menos fortalece na pré-consciência determinadas instâncias de resistência, ajudando a criar um clima desfavorável ao extremismo. Se a consciência cultural em seu conjunto fosse efectivamente perpassada pela premonição do carácter patogénico dos traços que se revelaram com clareza em Auschwitz, talvez as pessoas tivessem evitado melhor aqueles traços.
Além disso seria necessário esclarecer quanto à possibilidade de haver um outro direccionamento para a fúria ocorrida em Auschwitz. Amanhã pode ser a vez de um outro grupo que não os judeus, por exemplo os idosos, que escaparam por pouco no Terceiro Reich, ou os intelectuais, ou simplesmente alguns grupos divergentes. O clima ---- e quero enfatizar esta questão — mais favorável a um tal ressurgimento é o nacionalismo ressurgente. Ele é tão raivoso justamente porque nesta época de comunicações internacionais e de blocos supranacionais já não é mais tão convicto, obrigando-se ao exagero desmesurado para convencer a si e aos outros que ainda têm substância.
De qualquer modo, haveria que mostrar as possibilidades concretas da resistência. Por exemplo, a história dos assassinatos por eutanásia, que acabaram não sendo cometidos na dimensão pretendida pelos nazistas na Alemanha, graças a resistência manifestada. A resistência limitava-se ao próprio grupo; e justamente este é um sintoma bastante notável e amplo da frieza geral. Além de tudo, porém, ela é limitada também em face da insaciabilidade presente no princípio das perseguições. Em última instância, qualquer pessoa não-pertencente ao grupo perseguidor pode ser atingida; portanto, existe um interesse egoísta drástico a que se poderia apelar. Enfim, seria necessário indagar pelas condições específicas, históricas, das perseguições. Em uma época em que o nacionalismo é antiquado, os chamados movimentos de renovação nacional são, ao que tudo indica, particularmente sujeitos a práticas sádicas.
Finalmente, o centro de toda educação política deveria ser que Auschwitz não se repita. Isto só será possível na medida em que ela se ocupe da mais importante das questões sem receio de contrariar quaisquer potências. Para isto teria de se transformar em sociologia, informando acerca do jogo de forças localizado por trás da superfície das formas políticas. Seria preciso tratar criticamente um conceito tão respeitável como o da razão de Estado, para citar apenas um modelo: na medida em que colocamos o direito do Estado acima do de seus integrantes, o terror já passa a estar potencialmente presente.
Em Paris, durante a emigração, quando eu ainda retornava esporadicamente à Alemanha, certa vez Walter Benjamin me perguntou se ali ainda havia algozes em número suficiente para executar o que os nazistas ordenavam. Havia. Apesar disto a pergunta é profundamente justificável. Benjamim percebeu que, ao contrário dos assassinos de gabinete e dos ideólogos, as pessoas que executam as tarefas agem em contradição com seus próprios interesses imediatos, são assassinas de si mesmas na medida em que assassinam os outros. Temo que será difícil evitar o reaparecimento de assassinos de gabinete, por mais abrangentes que sejam as medidas educacionais. Mas que haja pessoas que, em posições subalternas, enquanto serviçais, façam coisas que perpetuam sua própria servidão, tornando-as indignas; que continue a haver Bojeis e Kaduks, contra isto é possível empreender algo mediante a educação e o esclarecimento.
Theodor Adorno

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

2010 - Ano Europeu da Pobreza e da Exclusão Social





À existência, em simultâneo, de uma grande cultura científico-tecnológica e de cinco sextos da população mundial a viver em péssimas condições não se chama paradoxo, mas sim infeliz consequência do poder enorme que o dinheiro exerce na nossa vida em sociedade.
Temos automóveis, aeronaves e comboios, excelentes meios de transporte que nos permitem fazer quilómetros num curto espaço de tempo relativamente à velocidade com que caminhamos, que nos permitem ver o mundo, explorar novas culturas e que, por isso, literalmente, nos transportam para novas realidades. Podemos todos usufruir destas maravilhosas máquinas da tecnologia? Não! E porquê? É necessário capital para o fazer e milhões não o têm.
Temos televisões, telemóveis e internet, os meios modernos e eficazes de comunicação. Graças a estes meios podemos manter o conhecimento e a visão que temos do mundo minimamente actualizados, podemos manter um contacto permanente com as outras pessoas, importante para o ser sociável que nós somos. Podemos todos usufruir destas maravilhosas invenções da física? Não! E porquê? É necessário capital para o fazer e novamente, milhões não o têm.
Já desenvolvemos fantásticos meios de irrigação e já conseguimos fazer a “reciclagem da água”. Podemos todos usufruir de água potável? Não! E porquê? Novamente, porque é indispensável o dinheiro para pagar a sobrevivência.
Temos a capacidade de manipular geneticamente certos alimentos de maneira a poder fazer com que alguns deles sejam capazes de sobreviver em condições extremas. Fazemos isto? Não! Porque o único interesse que há em manipular alimentos, é em faze-los mais bonitos e faze-los viver mais tempo nas prateleiras de todas as grandes superfícies comerciais.
Temos a capacidade de unir a arquitectura à tecnologia, de construir prédios tão altos em zonas áridas e ventosas que graças à sua forma conseguem ser aerodinâmicos de maneira a nem sequer vibrarem, como é o caso da torre construída no Dubai, a nova torre onde os apartamentos são os mais caros do mundo, onde vai haver um casino, onde vai haver apartamentos destinados a serem escritórios e não ao alojamento. E será que não temos a capacidade de construir casas minimamente acolhedoras para todos os sem-abrigo e desalojados?
Temos livros, computadores e outros materiais que trazem conhecimento, mas mesmo assim, voltamos a privar grande parte da humanidade destes. Faz sentido que nós, seres inteligentes e sempre em busca da verdade e do conhecimento, possamos atribuir um preço a isso? É que os índices de analfabetismo continuam elevados no nosso mundo.
E a medicina? Porque é que todos os animais, Homens, tempo e esforço que lhe foram dedicados, todo o conhecimento e tecnologia que desenvolvemos e desmistificámos sejam agora trancados numa clínica que não poderá ser aberta com uma chave, mas com várias, várias notas, e só por alguns?
Porque será que se tem de pagar por todos estes “benefícios” da idade moderna?
A minha explicação é que toda a investigação científica ou tecnológica só é possível graças a grandes investimentos monetários que se fazem e graças a todas as mentes brilhantes que se prostituem por dinheiro a grandes empresas ou laboratórios monopolistas cujo único interesse é obter mais e mais dinheiro, porque dinheiro significa poder, estatuto e benefícios. E todos nós queremos esses três ingredientes da sopa do capitalismo; se isto não fosse verdade já não viveríamos neste sistema económico.
Deixem-me contar-vos uma história …
Era uma vez um pequeno e pobre país da Ásia onde os habitantes sofriam de fome, porque os seus campos agrícolas não eram capazes de produzir bom arroz. Então uma empresa, em conjunto com um certo número de cientistas, organizaram-se e comprometeram-se a modificar arroz para que fosse, não só de boa qualidade e nutritivo, mas também capaz de se cultivar naquela zona. Isso seria feito de graça, e assim foi… Mais tarde, a empresa que tinha ficado com a patente do arroz, apercebeu-se que realmente o seu projecto havia sido um sucesso e então começou a cobrar dinheiro por ele. Os agricultores que puderam pagar as suas sementes conseguiram sobreviver, o resto, a maioria, voltou para o seu estado inicial de fome. Deixem-me só dizer-vos uma coisa, aquele país, afinal, não era assim tão pequeno.
Imaginemos este caso hipotético para percebermos melhor como a ciência e o dinheiro andam de mãos dadas e não por caminhos opostos: uma grande equipa de cientistas desenvolve a vacina capaz de matar o vírus da SIDA. Claro que só o conseguiu porque esta equipa foi financiada por um laboratório que ficará com a patente da vacina. Essa empresa como dispensou muitos fundos vai agora querer não só recuperá-los como também ter bastantes lucros. Portanto, a vacina não vai ser gratuita para ninguém. É injusto e irracional poder-se comprar a saúde. Mais uma vez palmas para o capitalismo e para todos nós, os capitalistas. Como a SIDA é a epidemia do século XXI, a vacina iria ser o best-seller das vacinas, sabendo disso, o laboratório vai obviamente cobrar muito por ela.
Assim, é óbvio e previsível que só quem tiver dinheiro poderá usufruir da ciência e da tecnologia o que parece absurdo e é realmente absurdo.
Por isso, quem não tiver dinheiro, muito dinheiro, irá pertencer ao largo grupo dos excluídos da sociedade, os pobres.
A minha solução é abandonarmos este vício que temos pelo dinheiro e apercebermo-nos que não é justo haver diferenças entre nós que não sejam baseadas naquilo que nós somos, na nossa essência, ou seja, não é minimamente justo diferenciarmo-nos por aquilo que possuímos, por algo tão material e falso.
Se continuarmos com esta linha de pensamento e com este modelo económico, sempre que a ciência der um passo, o ser o humano vai regredir outro, porque estaremos a aumentar a pobreza e a exclusão social.
E não é correcto dizermos que querermos acabar com a pobreza porque para acabar com a pobreza teremos também de erradicar a riqueza, pois se uma destas realidades existir, a outro também existirá.
Em conclusão, não há nenhum paradoxo nesta situação, mas uma irracional consequência da sociedade materialista onde a tecnologia e o progresso humano só estão disponíveis para alguns.
Diogo Bastos, 11º 6




2010 – ANO EUROPEU CONTRA A POBREZA E A EXCLUSÃO SOCIAL



O desenvolvimento do conhecimento científico, das suas técnicas e produtos atinge, cada dia que passa, o seu ponto máximo. Todos os dias a tecnologia é explorada, repensada e renovada e isso leva ao crescimento quase autofágico, isto é, a ciência de hoje elimina a de ontem, mas não existiria se não se nutrisse dela. É um construto em camadas nunca elimináveis. Por essa razão podemos dizer que nunca o Homem teve tanto saber e ciência à sua disposição como no dia que vive.
Supostamente, o saber, a ciência e a técnica só existem porque são pragmaticamente necessários, ou seja, a necessidade aguça o engenho para servir o Homem.
Posta a questão nestes termos poderíamos imaginar aqui uma relação triangular perfeita de ‘necessidade’, ‘engenho/invenção’ e ‘satisfação’ e, consequentemente, uma vivência perfeita e feliz.
Será que esta triangulação é verdadeira e, acima de tudo, universal? Será que o desenvolvimento cientifico promove a qualidade de vida do Homem? A resposta é difícil e paradoxal: isso é verdade, mas não é A VERDADE.
Para a satisfação das necessidades básicas, a ciência rudimentar foi essencial e sem ela não teríamos a humanidade formatada do modo actual: a lança de sílex, a roda, a imprensa, a máquina a vapor, o automóvel, o foguetão, os microprocessadores são etapas com o mesmo estatuto no nosso percurso
Todos sabemos, também, que para ter qualidade de vida, o Homem necessita de satisfazer as necessidades básicas, que na realidade actual já não são as mesmas. Já não basta não ter frio, não ter fome e procriar; a sociedade de consumo coloca hoje a fasquia da satisfação num nível mais alto e para se alcançar é necessário adquirir bens e serviços segundo as leis de mercado, onde o dinheiro tem valor primordial.
Com algumas excepções, a maior parte dos seres humanos troca o seu trabalho por dinheiro para depois trocar este pelos tais serviços e produtos. É exactamente aqui que começa a construção do paradoxo. Na deriva do avanço tecnológico, veio a descobrir-se que essa mesma tecnologia, além de ajudar na melhoria das condições de vida também podia, ela mesma, substituir o próprio homem em tarefas de rotina, de maior precisão ou de maior esforço. Tornou-se possível produzir mais, mais rapidamente e mais barato. De inventores da máquina passámos à condição de desperdício e de consumidores.
O desenvolvimento científico e o desenvolvimento das tecnologias seriam uma mais-valia se isso não impedisse o homem de ter melhores condiçoes para viver. Uma realidade que acontece nos dias de hoje é que o ser humano está a ser substituido por máquinas, o que nao devia acontecer uma vez que é o proprio homem que as inventa e as desenvolve. Este factor vai provocar desempregos, isto significa que muitas famílias ficam sem o sustento que permite ao homem ter uma boa qualidade de vida.Há pobreza e exclusão social.
Outra dimensão do Homem, infelizmente, à qual está associado o grande desenvolvimento tecnológico é a guerra. Aliás, as grandes inovações tecnológicas surgiram e foram aplicadas para fins militares. De Leonardo Da Vinci à criação das redes informáticas, os fins militares foram a grande motivação para a criação. A lealdade da luta corpo-a-corpo desapareceu há muito e a tecnologia encarrega-se de combater o Homem, sem necessidade de exposição de um dos lados a qualquer risco físico: lembremo-nos das armas de fogo, dos veículos couraçados, dos veículos e aviões telecomandados, etc. Mas nada nos choca tanto quanto o uso da energia atómica (tecnologia de ponta em 1945) com as consequências terríveis em Nagasaki e Hiroshima. Foi o desenvolvimento científico usado no seu pior.






Em menor escala, todos os dias assistimos a notícias onde as gueras ou confrontos violentos provocam mortes de população civil, fugas, migração de populações, abandono dos campos e destruição da base económica e ambiental. Aumenta a segregação racial, a discriminação e a pobreza. Aqui se consolida o paradoxo que temos vindo a analisar. Por estas dimensão ser tão evidente, tendemos a ver os malefícios da tecnologia apenas no mundo da indústria e do trabalho e esquecemos a dimensão óbvia da tecnologia usada com fins militares.
Tudo isto tem as suas consequências e assim começa um enrolar de problemas e de conflitos. O homem privado de bens e sentindo-se inseguro volta-se agora para os instintos mais básicos, a sobrevivência e a reprodução, e se não consegue obter as condiçoes básicas, para criar uma família, com o seu proprio trabalho, ele vai obtê-las de uma outra forma e muitas vezes esse meio é a criminalidade.
Será que este ciclo vicioso terá solução?
Nesta fase assumo uma posição céptica, se bem que não deixe de imaginar soluções. A solução ideal seria uma carta de princípios sobre o uso da tecnologia, uma espécie de carta semelhante à dos Direitos Humanos, tal como se está a tentar fazer com o Ambiente. Deveria ser feita uma cimeira que acordasse que a tecnologia só poderia estar ao serviço do Homem e do bem comum.


Ana Beatriz Marques e Silva 11º5

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A vida não tem ctrl-Z.




A vida não tem ctrl-Z. A metáfora que surge a propósito do último trabalho de Paulo Pereira, e que se segue a "Copy-Paste" de há dois anos, vem colocar uma multiplicidade de problemas subjacentes à contemporaneidade, da qual muitos retiram a não-impossibilidade como caraterística mais saliente. Já assim foi nos primeiros anos do século XX, quando ainda se lambiam as feridas no narcisismo Humano causadas pela descoberta das forças do inconsciente. A humanidade de então convenceu-se que nada escaparia ao alcance da técnica e das ciências exactas que a suportavam. Curiosamente, o maior fascínio vinha da Biologia, então ainda jovem e das Ciências Humanas praticamente acabadas de nascer.
Hoje como ontem, também temos de sobra os nossos fascínios tecnológicos e também eles comandam a vida, como diz o poeta. A tal ponto que se impôs ao artista a necessidade deste sublinhado. Ctrl-z. Tão vizinha e próxima de outra função, essa sim radicalmente humana - a memória - e ao mesmo tempo tão estéril comparada com a reconstrução actual de uma fase anterior, ou de um momento passado, pela lembrança. Sublinha-se e elege-se como metáfora de uma contemporaneidade marcada ao mesmo tempo pela impossibilidade de não comunicar e pela virtualidade da realização. Como se cada operação ou fase tivesse a possibilidade de ser revertida. Como se as rotas traçadas e percorridas tivessem volta e um histórico acessível, digitalmente actualizado. É relegada para segundo plano a memória que se alimenta dos dados do passado ocorridos em contexto, e também o projecto, enquanto visão de um futuro contextualizado. A obra que se apresenta é simultaneamente uma síntese e projecto, pelo que deixa adivinhar a partir de diversas ideias plásticas concretas, diversos universos estéticos, por assim dizer de forma simplificada, que conectados entre si, pela autoria e pelo percurso, beneficiam e aproveitam na sua leitura, do elenco fotográfico central. Do ponto de vista da contemplação sente-se clarividência ao percorrer as peças simbolicamente conectadas em múltiplas relações biunívocas, todas elas apresentadas de uma vez, mas temporalmente separadas na sua criação e nos seus contextos.
A expressão humana também não tem Ctrl-z porque a expressão de alguém acontece num dado tempo, espaço e contexto emocional irrepetíveis. É no entanto um belo exercício estético revisitar de uma assentada estações ou estádios do percurso que nos deixam uma sensação de valor de um trabalho contínuo, cuja contemplação é tanto mais satisfatória quanto a educação visual nos permite.


Paulo Lucas

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

2010 – ANO EUROPEU CONTRA A POBREZA E A EXCLUSÃO SOCIAL




A humanidade tem assistido, e parte dela tem beneficiado, dos espantosos progressos científicos. No entanto, ao contrário do que se imaginava anteriormente, nunca se viu tanta disparidade de estilos de vida, tanta insatisfação e, sobretudo, tanta perplexidade diante do futuro do homem.
No panorama mundial, os recentes avanços tecnológicos e o controle destas novas técnicas por uma pequena parcela da sociedade está a gerar uma nova configuração, um novo recorte, no jogo de poder entre as nações. Nota-se a consolidação de alguns países na liderança mundial. Aos outros países, resta o papel coadjuvante de meros consumidores de tecnologia criada pelos primeiros. Isto quando não são simplesmente excluídos do mercado internacional (caso de diversos países africanos).
Num mundo dito tão desenvolvido, em que se melhorou intensamente a qualidade de vida da sociedade, como poderemos explicar o grande paradoxo que faz parte da nossa existência?
As descobertas e desenvolvimento científicos incomparáveis que tornaram a nossa qualidade de vida melhor (saúde, educação..) foram reduzidos a uma parcela ínfima da sociedade, continuando, e cada vez mais, a existir grupos de minorias excluídos do “mundo” onde vivemos, continuando a pobreza extrema a ser uma realidade cada vez maior.
Enquanto alguns países atingem o apogeu de progresso e aperfeiçoamento, outros atingem o apogeu da pobreza extrema. Vivemos num mundo onde numa ponta se morre de fome e na outra se atiram diariamente quilos de alimentos para o lixo. É concentrada demasiada energia a aperfeiçoar uma parte da sociedade, enquanto que a outra parte se deteriora cada vez mais, e é inteiramente irradiada.
Maria João 11º6

2010 – ANO EUROPEU CONTRA A POBREZA E A EXCLUSÃO SOCIAL




A nossa sociedade tem vindo a produzir riquezas e descobertas científicas que contribuem para um desenvolvimento científico notável. Porém, para além da riqueza criada, também se assiste a um agravamento da pobreza, da miséria e da desigualdade social.
Com efeito, o século XX inaugurou uma nova era de desenvolvimento científico e tecnológico e uma nova fase política com a implantação de sistemas democráticos em muitos países do globo, sendo, por isso, considerado um século de artes, letras, ideias e realizações. Estas revoluções da cultura científico-tecnológica trouxeram grandes vantagens e facilidades para uma parte da Humanidade. Como efeito imediato, o forte desenvolvimento tecnológico teve um impacto na qualidade de vida da sociedade ocidental.
Porém, desde essa época, a sociedade, apesar de ávida de alta tecnologia e saber, foi-se tornando também hedonista, deixando que franjas da população vivam na pobreza e em desigualdade social, sem receberem os benefícios de todo o investimento direccionado para o desenvolvimento tecnológico. De facto, quando comparamos o desenvolvimento social dos países ocidentais com os países em desenvolvimento, verificamos uma acentuada disparidade entre a qualidade de vida de ambos. Na verdade, até hoje, o desenvolvimento científico permitiu um aumento da qualidade de vida nas comunidades que o promoveram, mas tarda a chegar à restante população mundial. Em concreto, o progresso tecnológico permite não só a produção exponencial de alimentos que é a única forma de suprir as necessidades alimentares dos mais desfavorecidos, mas também, a obtenção de energia através de novas fontes até hoje pouco utilizadas, como a energia solar, disponíveis em países menos desenvolvidos.
Em suma, assistimos a uma minoria da população cada vez mais rica e, em contraste, uma maioria cada vez mais pobre que não tem acesso a muitos bens básicos. Para combater esta desigualdade, o grande desafio actual é tornar o desenvolvimento científico acessível a todas as sociedades mundiais, possibilitando uma melhoria efectiva da qualidade de vida no nosso planeta.
Beatriz Donato – 11º 5