quinta-feira, 15 de abril de 2010

ENTREVISTA COM ARTUR RIBEIRO, Argumentista da série da TVI “Destino Imortal”



Garras: O êxito dos filmes da série Twilight fez ressurgir o interesse pela secular temática do "vampirismo". Viu os filmes? E o que pensa da abordagem cinematográfica escolhida para a adaptação da obra de Stephenie Meyer?

Os livros e filmes da saga Twilight foram um fenómeno devido à reciclagem "teenage-american-dream" que é vinculada através da fabulização dos vampiros como os novos "good-bad-boys". Se analisarmos a estrutura de Twilight encontramos a velha história clássica de romance adolescente de liceu, em que a menina que é diferente das outras -- a nova aluna, vinda de fora, tímida, modesta, etc -- fica com o rapaz mais apetecido e mais cool do liceu: no caso, o vampiro Edward (chegando aqui ao ponto de este vampiro em vez de morrer ao sol fica a brilhar com a pele cheia de "diamantes dourados" -- bem diziam que "diamonds are the girl's best friend"). Neste caso, os alunos vampiros são os mais cool, mais bonitos, mais ricos, conduzem os melhores carros, têm a melhor roupa, e por isso, tirando o facto de beberem sangue e serem imortais, são iguais aos outros paradigmas dos filmes para adolescentes americanos, aqui com uma mais valia pois podem dar grandes saltos, parar veículos com as mãos e baterem de forma sobre-humana nos rapazes maus salvando as donzelas em risco de serem violadas (se recordarmos os vampiros de outros tempos, eram eles que violavam as donzelas...). Por outro lado, sobretudo na versão em livro, o texto é criado do ponto de vista da adolescente (a escrita é mesmo adolescente, até no mau sentido de ser fraquinha como escrita) e isso ajudou a conquistar as milhões de fãs na sua maioria jovens raparigas que são igualmente quem mais vai ao cinema e quem mais lê.

Garras: A abrangência das referências cinéfilas sobre o vampirismo é já longínqua, desde o incontornável Nosferatu(1922) de F. W. Murnau, até aos mais recentes Dracula (1992) de F. F. Coppola, ou à Entrevista com o Vampiro(1994) de Neil Jordan. Sei que fez uma alargada pesquisa sobre o tema. Quais foram os suas fontes de inspiração?

Quando me propuseram escrever uma série de vampiros a minha primeira preocupação foi o que poderia escrever de original num género já tão rico em narrativas, com três séculos de tradição e várias obras-primas. Por isso, não só fui rever alguns dos filmes referidos, como também fui espreitar as actuais séries de televisão de sucesso como o True Blood ou o Vampire Diaries. Sentindo que seria difícil encontrar algo que não seja de uma forma ou de outra abordado em algumas destas referências, fui pesquisar a história e foi lá que se fez luz, ao encontrar a figura do Dampiro.

Garras: A ideia da figura do dampiro é pouco usual dentro deste imaginário cinéfilo. O que o levou a introduzir este tipo de conceito no argumento?

Ao pesquisar a história das lendas dos vampiros encontrei a referência no folclore dos balcãs a esta figura de um filho de vampiro com mulher humana, que podia ter os poderes dos vampiros mas não as suas fraquezas, e por isso tornavam-se caçadores de vampiros natos. Embora naturalmente lendária, esta figura era encarnada na época por espertalhões que se faziam passar por dampiros e eram contratados pelas populações aterrorizadas por vampiros para os destruir. Contudo, o que me interessou na figura foi o seu lado Freudiano/Edipiano do filho renegar a sua descendência e tornar-se o assassino do próprio pai, ou pelo menos da sua espécie. Ao mesmo tempo, como me pediam também uma história de amor, descobri aqui um elemento que poderia ser original e interessante: a sensação de amor à primeira vista que o dampiro Miguel sente pela vampira Sofia (ainda ambos não sabendo o que outro é, e no caso do Miguel o que ele próprio é) não é mais que um mecanismo de defesa animal, e as sensações que passam entre os dois à partida não será de amor mas de ódio e destruição. Esta confusão entre o amor e ódio pareceu-me um ponto de partida diferente para um romance e daqui lançamo-nos -- com a Cristina Silva, minha co-argumentista -- para a história desta mini-série com um conflito que nos pareceu poder dar um bom desenvolvimento.

Garras: O actual tratamento do vampirismo no cinema, em particular da série Twilight, é frequentemente referido como sendo demasiado light, longe do conceito mais sombrio, sangrento e sexual a que o tema sempre esteve associado. Concorda com estas observações? Qual é afinal a essência da metáfora do vampiro?

Sim, como dizia atrás em relação a Twilight, os vampiros bons de Twilight são o género de namorado que todas as raparigas gostariam de apresentar aos pais. Estamos muito para além do carácter perverso sexual dos antigos vampiros, do Bram Stoker, por exemplo, em que o vampiro era em parte uma metáfora para os perigos de uma sexualidade exuberante, que reflectia os costumes moralistas da época. Não sei contudo se isto significa que a nossa época é menos moralista ou se mais, pois esta limpeza dos vampiros tira-lhes também o charme da transgressão e, diga-se de passagem, são muito assexuados. Não há nada de mais puritano que aquela relação asséptica entre Edward e Bella.

Garras: O que há de tão peculiar neste mito, para que possa - após tantos sécs. - continuar a atrair mesmo o imaginário mais contemporâneo?

Acho que passa muito pela necessidade que as pessoas têm do sobrenatural. A realidade nunca parece satisfazer -- pelo menos na ficção -- as aspirações do comuns mortais, e a imortalidade, invencibilidade, ausência da doença, do envelhecimento, e conquista da morte, é apelativo desde tempos primordiais e nas suas transfigurações modernas continuará sempre a sê-lo.


Para saber mais: http://oteudestinoestamarcado.tvi.pt/

Alguns filmes de referência: Nosferatu, de D.W.Murnau; Dracula, de Tod Browning; Vampyr, de Carl Dreyer; Bram Stoker´s Dracula de Francis F. Coppola; Entrevista com o Vampiro, de Neil Jordan; The Hunger, de Tony Scott; Vampires, de John Carpenter; Near Dark, de Kathrin Bigelow